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Terapia de reposição hormonal com testosterona                                                                                                                                                                                                             Ana Paula Lechetta e Michelle Susin

       As informações a seguir consistem em uma revisão da literatura disponível e das evidências em relação aos possíveis benefícios e efeitos colaterais da terapia de reposição hormonal com testosterona em portadores da Síndrome de Klinefelter. Não é recomendado o tratamento de terapia de reposição hormonal com testosterona sem acompanhamento e indicação médica especializada.

Testosterona

      Os hormônios sexuais masculinos secretados pelas células de Leydig, nos testículos, são: testosterona; di-hidrotestosterona e androstenediona.

       Os hormônios androgênios citados acima são fundamentais para a diferenciação sexual, amadurecimento sexual e a fertilidade masculina. São eles que promovem a diferenciação embrionária das genitálias masculinas interna e externa e mantêm as características sexuais masculinas. Alguns dos efeitos da testosterona: inibição do crescimento da mama, libido e comportamento, hipertrofia da laringe e alteração das cordas vocais, hipertrofia da próstata, distribuição dos pelos corporais, fechamentos das epífises nos ossos e espermatogênese.

     Dentre os objetivos da terapia de reposição hormonal com testosterona estão: induzir o aparecimento de características sexuais secundárias; otimizar o crescimento e as proporções do corpo; alcançar a massa óssea adequada; reduzir o risco cardiovascular e induzir a maturação psicossocial.

Quais são as formas de reposição hormonal com testosterona?

Tabela 1: Medicamentos à base de testosterona e indicados para o tratamento de hipogonadismo primário e secundário comercializados no Brasil. Fonte:https://www.gov.br/anvisa/ptbr/centraisdeconteudo/publicacoes/regulamentacao/boletim-saude-e-economia-no-12.pdf

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Quais as evidências dos benefícios da terapia de reposição hormonal com testosterona?
                                                                                                           Ana Paula Lechetta e Michelle Susin

RISCO CARDIOVASCULAR

     Pacientes com síndrome de Klinefelter apresentam um perfil lipídico associado ao aumento do risco cardiovascular: colesterol total elevado, fração de LDL elevada, fração de HDL diminuída e triglicerídeos aumentados. A maior parte dos estudos não encontra efeito do tratamento com testosterona nos níveis de colesterol total ou colesterol LDL.

      Alguns estudos relatam triglicerídeos mais elevados em SK tratados com testosterona (6)(7) e 4 estudos transversais relatam diminuição de HDL no SK tratado (8)(6) (7)(9). O único estudo randomizado controlado por placebo, confirmou que o tratamento com testosterona foi associado a um aumento de triglicerídeos e diminuição de HDL. (10)

        De acordo com Escore de Risco de Framingham, utilizado para calcular o risco de um indivíduo desenvolver doença cardiovascular, níveis reduzidos de HDL podem indicar aumento do risco cardiovascular. Entretanto não há como confirmar se esse escore pode se aplicar a homens com SK. Além disso, o tratamento com testosterona traz outros benefícios que interferem no risco cardiovascular: modulação da massa magra, por exemplo. Isso poderia contrabalançar os efeitos prejudicais, como a redução do HDL.

 

METABOLISMO ÓSSEO

        O hipogonadismo está relacionado à redução da densidade mineral óssea, levando a um aumento do risco de fraturas e osteoporose. Porém, os estudos para avaliar o impacto da terapia de reposição hormonal com testosterona no metabolismo ósseo são escassos. Uma recente meta-análise publicada comprovou que não existe nenhuma informação relacionada ao efeito da terapia de reposição hormonal no risco de fratura óssea (5). 

       Há necessidade de estudos clínicos randomizados com uma amostra significativa que englobe todas as idades para concluir sobre a terapia de reposição de testosterona mais adequada. Além disso, é necessário avaliar simultaneamente a dosagem da vitamina D em portadores da síndrome de Klinefelter. A vitamina D é uma substância essencial para o metabolismo ósseo e dois estudos sugerem que ela é menor entre os homens com SK quando comparados aos grupos controles (11) (12). Para determinar com maior precisão o real impacto do tratamento de reposição hormonal com testosterona no metabolismo ósseo é necessário avaliar uma possível deficiência de vitamina D nos pacientes.

 

COMPOSIÇÃO CORPORAL

        O hipogonadismo pode levar a um processo de deposição de tecido adiposo e resistência à insulina. Não está esclarecido quais são os outros fatores relacionados diretamente a esse quadro, entretanto possivelmente efeitos genéticos e estado hipogonadal estão incluídos.  Estudos transversais (13)(6) (14) (15)(7) (16) constataram que o tratamento com testosterona em homens com SK está associado a uma redução na massa gorda e percentual de gordura corporal total.

     Recentemente, o efeito do tratamento com testosterona (ou outro andrógeno) na composição corporal em indivíduos com SK foi avaliado em três ensaios randomizados controlados por placebo em diferentes faixas etárias (Host et al., 2019). Entretanto, os estudos presentes na atual literatura são limitados e não comprovam que os benefícios da terapia de reposição hormonal são duradouros. 

FUNÇÃO SEXUAL

       As evidências científicas comprovam que a testosterona está altamente ligada a regulação de todos os aspectos da função sexual, em especial a função erétil e libido (desejo sexual) (17) (5) (18). Os resultados desses estudos mostram que a terapia de reposição hormonal com testosterona é capaz de restaurar o desejo sexual e a função erétil apenas em homens com hipogonadismo. A literatura em relação a esse tema é escassa e controversa. Dessa forma são necessários estudos maiores controlados por placebo para confirmar os dados atuais, que são provenientes principalmente de estudos observacionais.

     O estudo(19) também ressalta que os sintomas psicológicos representam um fator determinante na função e disfunção erétil nos portadores da SK. Por esse motivo é recomendada uma abordagem clínica multidisciplinar (endocrinologista, psicólogo) para um diagnóstico correto e tratamento bem-sucedido. 

 

MICROPÊNIS

      Em adultos com Síndrome de Klinefelter, cerca de 25% dos pacientes apresentam um desenvolvimento peniano reduzido. Micropênis é definido como um pênis menor que 2,5 desvios padrão (DP) abaixo dos valores normais, de acordo com a faixa etária do sexo masculino(29). A testosterona é o medicamento mais comum, porém seu uso é controverso entre as crianças devido à preocupação com potenciais efeitos colaterais, como precocidade sexual e fechamento epifisário precoce.

      O tratamento do micropênis tem como objetivo o aumento do tamanho peniano para que o paciente tenha uma imagem corporal adequada, função sexual normal e micção adequada. O tratamento é baseado na suplementação de testosterona administrada por um curto período para avaliar a resposta peniana. Não há consenso sobre a dose, modo de administração ou duração da terapia com testosterona para micropênis. Um estudo (30) sugere que a administração pode ser via intramuscular ou aplicação tópica, iniciando com quatro doses de 25mg de cipionato de testosterona ou enantato em óleo, uma vez a cada três semanas duraten 3 meses. Outro estudo (31) demonstrou um aumento do comprimento peniano em 50 lactentes e crianças com idade entre 5 meses e 8 anos, administrando creme de testosterona a 5% topicamente por 30 dias.A maior dificuldade em relação ao manejo do micropênis em indivíduos Klinefelter é a falta de conhecimento em relação a resultados a longo prazo. Dessa forma, vale ressaltar a importância do desenvolvimento de estudos sobre o tema em portadores da Síndrome de Klinefelter.

Há evidências de benefícios em iniciar o tratamento com testosterona precocemente?

        Nos primeiros 3 a 6 meses de vida em ambos os sexos, ocorre a maturação dos órgãos sexuais, o que cria uma base para a fertilidade futura. Esse período é denominado min puberdade e é um evento fisiológico, em que ocorre a ativação do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal e consequente aumento dos níveis de testosterona. Porém, esse aumento, de acordo com estudos (20) (8) não ocorre com a mesma intensidade em pacientes com Síndrome de Klinefelter quando comparado a indivíduos não portadores da síndrome.

      Além de influenciar na maturação dos órgãos sexuais, estudos indicam que o aumento de andrógenos durante esse período pode influenciar o volume da substância cinzenta e a maturação cortical, levando a um efeito organizacional de comportamento sociais e cognitivos. Estudos comprovaram uma diminuição nos volumes de substância cinzenta e branca no SK quando comparados aos controles (21). Esse fato sustentou o desenvolvimento de estudos que comprovaram a possibilidade de que o tratamento precoce com testosterona tenha um impacto positivo em domínios específicos do neurodesenvolvimento em meninos aos 36 e 72 meses de idade. (22)(23)

Entretanto, o único estudo randomizado controlado por placebo não confirmou essa hipótese (24), ou seja, embora alguns achados positivos tenham sido documentados, os dados atuais não podem confirmar a utilidade de um tratamento precoce com testosterona.

Quais as evidências dos riscos/efeitos colaterais da terapia de reposição hormonal com testosterona?

CÂNCER DE PRÓSTATA

      Após  publicação de um recente caso de câncer próstata em um homem com SK em uso de testosterona (25), houve uma preocupação que o tratamento pudesse ser o precursor e/ou aumentar o risco de câncer de próstata nessa população. Entretanto, poucos casos como esse foram relatados (25)e as evidências epidemiológicas mostram que a taxa de câncer de próstata em indivíduos com SK é igual aos homens sem a síndrome (26). Dessa forma, não há evidencias que comprovem que o uso de testosterona como forma de reposição hormonal em portadores da Síndrome de Klinefelter aumenta o risco de câncer de próstata.

RISCO DE TROMBOSE

      O tromboembolismo venoso ocorre quando um coágulo se forma na circulação sanguínea, prejudicando o fluxo de sangue nas veias do organismo. Homens com Síndrome de Klinefelter apresentam quatro vezes maior risco de episódio de tromboembolismo venoso. A fisiopatologia dessa evidência não é clara. Um estudo recente (27). acompanhou a população dinamarquesa durante 22 anos, e concluiu que o tratamento com testosterona não representa um risco aumentado para tromboembolismo venoso. Pelo contrário, o estudo mostrou que o tratamento com testosterona pode atenuar o risco de tromboembolismo venoso no início da idade adulta. (27)(28)

Recomendações para a terapia de reposição hormonal com testosterona de acordo com a diretriz da academia europeia de andrologia – síndrome de Klinefelter (32)

       A diretriz da academia europeia de andrologia é primeira diretriz específica para hipogonadismo causado pela Síndrome de Klinefelter.

O que é uma diretriz?

       As diretrizes clínicas são documentos informativos que apresentam recomendações dirigidas a otimizar o cuidado ao paciente. Esses documentos são baseados em revisões sistemáticas das evidências científicas e na avaliação dos benefícios e danos de diferentes opções na atenção à saúde. A diretriz clínica se propõe a reduzir a morbimortalidade, melhorar a qualidade de vida e também melhorar a assistência prestada, com a padronização das condutas frente a situações clínicas específicas São elas que norteiam as decisões dos profissionais de saúde (33).

 

Em bebês e crianças pré-púberes

  1. Não é recomendada a suplementação de testosterona durante a primeira infância em todos os pacientes com SK, exceto nos casos de micropênis

  2. É recomendada a determinação dos níveis sanguíneos de vitamina D e suplementação adequada de vitamina D e cálcio em criança pré-púberes com SK. Não é mencionada recomendação em relação ao TRH para mineralização óssea

  3. Não é recomendado tratamento com testosterona em bebês e meninos pré-púberes em relação a composição do corpo

 

Durante a puberdade e adolescência:

  1. Recomendado suplementação de testosterona em caso de puberdade tardia e/ou sintomas de hipogonadismo associados à testosterona normal baixa e concentrações séricas de LH supranormais, após os problemas de fertilidade terem sido abordados.

  2. Não é recomendado terapia com testosterona em adolescentes com SK e com hipogonadismo hipergonadotrófico compensado.

 

Fase adulta

  1. Recomendado o início da reposição de testosterona em pacientes com SK com hipogonadismo diagnosticado de acordo com as diretrizes.

  2. Recomendado avaliação endócrina a cada 12 meses em pacientes adultos com SK que não estão em uso da testosterona.

  3. Recomendado que a terapia com testosterona siga as diretrizes estabelecidas sobre hipogonadismo, usando os intervalos de monitoramento sugeridos para avaliação clínica, parâmetros de segurança (hematócrito, PSA) e titulação da dose.

 

Em relação a infertilidade: é sugerido não iniciar terapia de reposição hormonal de testosterona em pacientes com SK quando uma TESE (biópsia testicular para extração de esperma testicular) é planejada.

 

    A diretriz também apresenta um sumário dos parâmetros mais importantes que devem ser analisados em portadores da Síndrome de Klinefelter e em qual frequência isso deve ocorrer (Tabela 2).

Tabela 2. Sumários dos parâmetros mais importantes a serem avaliados em portadores da Síndrome de Klinefelter e frequência do acompanhamento a ser realizado. Zitzmann M, Aksglaede L, Corona G, et al. European Academy of Andrology Guidelines on Klinefelter Syndrome: Endorsing Organization: European Society of Endocrinology. Andrology. 2021;9:145–167. (29)    

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