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Alterações no desenvolvimento psicomotor                                                                                                                                                                                                              Rafael Avelar Machado e Michelle Susin

1. Desenvolvimento motor de crianças Klinefelter:

     Embora algumas crianças portadoras da síndrome irão ter um desenvolvimento motor normal ou muito próximo disso, aproximadamente dois terços dos meninos com SK apresentaram um leve atraso na idade que começam a andar, com idade média de 18 meses ao dar os primeiros passos.(1)

       Um estudo de 2001 que observou 73 crianças com a síndrome, dos 2 meses até os 7 anos de idade, relataram que 68% apresentavam-se hipotônicos (sem tônus muscular) aos 3 meses de idade e 15 - 20% tinham a região occipital (região posterior da cabeça) achatada com limitação do movimento do pescoço.(4)

       Além disso, dificuldades de coordenação, equilíbrio e na capacidade de pular são evidentes na infância. Foram observados também movimentos finos mais lentos associados a redução de habilidades manuais além de redução de força muscular e menor velocidade ao correr. (1)

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Figura 1. Linha do tempo comparando alguns marcos do desenvolvimento motor com algumas alterações no desenvolvimento motor observados em Klinefelter. Acima da linha do tempo estão alguns dos marcos do desenvolvimento motor com suas respectivas idades apontadas na linha. Abaixo estão algumas alterações nesse desenvolvimento que já foram descritas e podem ocorrer em portadores da síndrome.se).

    Conforme a complexidade dos movimentos aumenta, se torna mais evidente uma dificuldade de planejamento motor, sendo que algumas crianças podem apresentar um déficit motor similar a dispraxia (transtorno neurológico de coordenação motora que envolve dificuldade de pensar e planejar um movimento). Alguns autores acreditam que a performance motora poderia se beneficiar de terapia de reposição com testosterona, porém isso ainda não é consenso entre os profissionais.

1.1 Por que podem ocorrer esses distúrbios no desenvolvimento motor em Klinefelter?

          É necessário ressaltar que ainda não é bem entendido nem porque nem como ocorrem esse perfil de desenvolvimento motor na síndrome, porém é possível desenhar hipóteses baseadas em alterações descritas da síndrome. Como discutido em outro tópico do material, foram descritas alterações estruturais no cérebro de portadores da síndrome que poderiam ajudar a explicar essa questão.

            A presença de doses aumentadas de genes capazes de escapar a inativação do cromossomo X, por mecanismos ainda não descritos, levam a um menor volume cerebral total além de um menor volume do lobo frontal, região do cérebro que possuem áreas relacionadas com o controle motor e de atividades executivas. Essas diminuições de volume então podem estar relacionadas com o perfil em questão (Figura 2).(7)

            Outro ponto é redução de massa muscular encontra nos homens com síndrome de Klinefelter. Embora ainda não muito elucidada, pode existir uma correlação entre essa menor massa muscular e algumas das alterações observadas no desenvolvimento motor, como menor força muscular e menor velocidade ao correr. (7)

Os baixos níveis de testosterona em SK são classicamente relacionados com essa redução de massa muscular, sendo o efeito da redução desse hormônio seria mais observado após a puberdade, porém existem outras hipóteses para essa diminuição muscular. Uma delas é a hipermetilação do gene SPEG (Striated muscle preferentially expressed protein kinase), que codifica uma proteína envolvida no desenvolvimento, manutenção e função dos músculos estriados esqueléticos (músculos voluntários ligados aos ossos).(8)

            A hipermetilação desse gene, observado em Klinefelter, poderia levar a uma redução de sua expressão e consequente impacto no sistema muscular dos portadores. Porém isso ainda é muito hipotético, considerando que reduções da expressão desse gene ainda não foram detectadas, além de sua relação com o desenvolvimento motor em crianças com a síndrome.

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Figura 2. Possíveis fatores relacionados com o perfil de desenvolvimento motor observado em crianças com Klinefelter. A presença do cromossomo X extra, leva a um aumento de dose de genes capazes de escapar a inativação do cromossomo, esse aumento de dose então poderia levar as alterações na estrutura cerebral da síndrome e menor massa muscular. Que junto de possíveis outros mecanismos ainda não elucidados, poderiam contribuir para o perfil de desenvolvimento motor observado.

2. Desenvolvimento cognitivo e de linguagens em crianças Klinefelter:

          Ainda é importante ressaltar que assim como em outras características da síndrome, esses atrasos no desenvolvimento da linguagem são muito variáveis, sendo que muitos indivíduos portadores não apresentam esse perfil de desenvolvimento. 
           Devido a esse perfil de desenvolvimento, a maioria dos portadores de Klinefelter demonstram dificuldade com aprendizados baseados em linguagem desde os primeiros estágios da infância, tendo também um QI verbal reduzido. Sendo que tanto esse QI verbal quanto os atrasos na fala são mais pronunciados em indivíduos com mais de um cromossomo X extranumerário, onde o QI decresce em média 15 pontos para cada X adicional. (1)

 

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Figura 3. Linha do tempo comparando alguns marcos do desenvolvimento da linguagem com algumas alterações no desenvolvimento linguístico observados em Klinefelter. Acima da linha do tempo estão alguns dos marcos do desenvolvimento da linguagem com suas respectivas idades apontadas na linha. Abaixo estão algumas alterações nesse desenvolvimento que já foram descritas e podem ocorrer em portadores da síndrome.

                      Esse padrão de dificuldade com aprendizados baseados em linguagem é acompanhado de uma memória auditiva reduzida, porém um aumento na memoria visual. Reforçando o aprendizado preferencialmente visual observado na síndrome. (1,7)

2.1 Por que podem ocorrer esses distúrbios no desenvolvimento cognitivo e da linguagem? 

          Assim como no desenvolvimento motor, ainda não é bem elucidado os mecanismos relacionados com esse perfil de desenvolvimento apresentado. Entretanto assim como feito anteriormente é possível entender sobre alterações já conhecidas da síndrome que podem estar relacionadas com esse perfil.
           Como descrito no outro tópico do material, a presença do cromossomo X extranumerário podem gerar mudanças na estrutura cerebral do portador, como no caso um menor volume no lobo temporal, que contêm regiões relacionadas a linguagem, além do lobo frontal que apresenta funções motoras da linguagem, o que poderia explicar tanto o atraso da fala, quanto as dificuldade de expressão e aprendizado da linguagem apresentado no desenvolvimento de crianças com a síndrome. Já o maior volume occipital, região que contém o córtex visual, encontra-se aumentada, podendo ser uma das causas para a maior facilidade de aprendizado visual (Figura 4). (7)

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Figura 4.  Possíveis fatores relacionados com o perfil de desenvolvimento cognitivo e de linguagem  observado em crianças com Klinefelter. A presença do cromossomo X extra, leva a um aumento de dose de genes capazes de escapar a inativação do cromossomo, esse aumento de dose então poderia levar as alterações na estrutura cerebral da síndrome que somados a mecanismos ainda não compreendidos poderiam levar ao perfil de desenvolvimento cognitivo e de linguagem observado em crianças portadoras da síndrome.

      Outro ponto que pode estar relacionado tanto com o aprendizado de linguagens quanto com um menor QI médio entre os portadores da síndrome é o gene GTPB6 (GTP binding protein 6). Esse gene que se encontra em maior dose em SK, devido a sua capacidade de escapar a inativação do X e está relacionado com maiores dificuldades em linguagem e menor QI quando mais expresso.(6) O GTPB6 codifica uma proteína de mesmo nome cuja função ainda não é completamente entendida, mas se acredita que participe de várias funções celulares no cérebro.

       É ainda relevante ressaltar que um estudo mostrou que em portadores da síndrome que apresentam uma inativação do X desbalanceada (link para material de variações fenotípicas), ou seja, inativam mais um cromossomo X do que o outro, apresentam uma menor expressão de GTPB6 (Figura 5).(6) Isso poderia então levar a maiores QI e menores dificuldades em linguagens, sendo uma explicação o fato de enquanto alguns portadores apresentarem QI e desenvolvimento linguístico normal outros serem mais afetados por isso. Entretanto ainda são necessários mais estudos para comprovar isso.

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Figura 5. Influência da inativação desbalanceada na expressão do gene GTPB6 e possível consequência no QI e facilidade com linguagem. A figura demonstra dois cromossomos X, um em azul e outro em laranja e a inativação balanceada deles (parte superior da figura) gerando maior expressão de GTPB6 enquanto a inativação balanceada (parte inferior da figura) gera menor expressão de GTPB6 e suas possíveis consequências no QI e linguagem.

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