
Genética na Comunidade
Como nossas células se dividem? Ana Paula Lecheta e Michelle Susin
A divisão celular é a base do processo de crescimento de organismos multicelulares e também a base da reprodução humana, já que um novo indivíduo é formado a partir das células de seus pais, os gametas (óvulo e espermatozoide).
Uma célula prestes a se dividir é denominada célula-mãe, e os produtos dessa divisão são as células-filhas. Toda vez que uma célula se divide, ela passa por uma série de fases que, juntas, formam o ciclo celular. Tal processo segue a seguinte sequência: G1; S; G2 e M (Figura 1). Durante a fase S, a célula irá duplicar seus cromossomos, irá ocorrer síntese de DNA, pois irá perpetuar o material genético e formar novas células. A fase M é o período em que ocorre, de fato, a divisão da célula-mãe. Essa fase geralmente tem dois momentos: (1) mitose, que é o processo de distribuição igual e exata dos cromossomos duplicados entre as células-filhas, e (2) citocinese, que é o processo de separação física das células filhas. As fases G1 e G2 são intervalos entre as fases S e M.
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Figura 1. Ciclo Celular. Formado pelas fases de Intérfase (G1; S e G2) e Mitose (M – Citocinese; Telófase; Anáfase; Metáfase e Prófase).
Mitose
Conforme um embrião se desenvolve de feto a bebê e de criança a adulto, ele precisa aumentar o número de células, para formação dos órgãos, tecidos e crescimento em si. Além disso, o tempo de vida de uma célula é limitado, sendo a morte celular é um evento constante no corpo humano. Dessa forma, há necessidade constante de produzir novas células somáticas, o que é realizado por meio do processo denominado mitose.
A mitose assegura que uma única célula, denominada célula-mãe, dê origem a duas células-filhas que são geneticamente idênticas à célula de origem. Ou seja, os produtos da mitose possuem o mesmo nível de ploidia, número de cópias de cada conjunto cromossômico, da célula inicial. No caso do ser humano, isso significa afirmar que cada célula apresentará dois pares de cada cromossomo, constituindo uma célula diploide (2N).
Quando a mitose começa, já houve a duplicação de todos os cromossomos (Figura 1) durante a intérfase, mais especificamente na fase S do ciclo celular. Os filamentos duplos, presentes nos cromossomos duplicados, são denominadas cromátides-irmãs e estão unidos pelos centrômeros. O processo será dividido em 5 fases: prófase; metáfase; anáfase; telófase e citocinese (Figura 2).
Prófase: Cromossomo sofrem condensação e ocorre o início da formação de um arranjo denominado fuso, que será responsável posteriormente pela distribuição dos cromossomos duplicados entre as células-filhas. É necessário compreender a estrutura do fuso, visto que, seu funcionamento adequado é essencial para que o processo ocorra sem erros.
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Fuso: durante a mitose, estruturas denominadas microtúbulos – componentes do citoesqueleto da célula, reúnem-se em um arranjo denominado fuso. A formação do fuso está associada aos centros organizadores de microtúbulos (MTOC) presentes no citoplasma da célula. As fibras do fuso serão responsáveis pelo deslocamento dos cromossomos dentro da célula-mãe em divisão.
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Figura 2 A. Fase Prófase do processo de mitose. Durante esse momento os cromossomos se condensam gradualmente, as cromátides irmãs, unidas pelo centrômero, ficam mais evidentes e ocorre o aparecimento do fuso mitótico.
Metáfase: O início da metáfase é marcado pela fixação dos microtúbulos do fuso nos cinetócoros, estruturas proteicas associadas aos centrômeros dos cromossomos duplicados. Os cromossomos duplicados deslocam-se até posições entre os polos do fuso. Esse deslocamento leva os cromossomos para um plano único no meio da célula, denominado placa metafásica. Nesse estágio, cada cromátide-irmã de um cromossomo duplicado é conectada um polo diferente, esse alinhamento é extremamente importante para a distribuição igual e exata do material genético entre as células-filhas.
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Figura 2 B. Fase metáfase do processo de mitose. Os cromossomos se alinham na placa metafásica, ligados ao fuso mitótico por meio dos cinetócoros, estruturas proteicas. Ao final dessa fase, cada cromátide-irmã de um cromossomo duplicado é conectada a um polo diferente do fuso.
Anáfase: Ocorre separação das cromátides-irmãs dos cromossomos duplicados, elas são puxadas pelo fuso em direção a polos opostos da célula e então passam a se chamar cromossomos. Uma vez separados, os cromossomos descondensam-se em uma rede de fibras de cromatina, e as organelas da célula perdidas no início da mitose se reconstituem. Cada conjunto de cromossomo é envolvido por uma membrana nuclear.
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Figura 2 C. Separação das cromátides-irmãs na Anáfase. As cromátides-irmãs dos cromossomos duplicados são separadas pelo fuso em direções opostas, por meio do encurtamento dos microtúbulos do fuso.
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Figura 2 D. Fase final da Anáfase. Descondensação das cromátides-irmãs previamente separadas e início da formação das células-filhas.
Telófase: Ocorre a descondensação dos cromossomos e a restauração das organelas internas. Quando a mitose termina, as duas células-filhas são separadas pela formação de membrana entre elas, a separação física das células-filhas é denominada citocinese.
As células-filhas produzidas pela divisão de uma célula-mãe são geneticamente idênticas. Cada uma delas tem um conjunto completo de cromossomos produzidos por duplicação dos cromossomos originais da célula-mãe. Ou seja, na ausência de qualquer erro durante esse processo, a transmissão do material genético da célula-mãe para as células-filhas é completa e fiel.
Enquanto a mitose é responsável pela produção das células somáticas e garante que a quantidade de material genético e a ploidia da célula-mãe se conserve nas células-filhas, a meiose é o processo pelo qual as células sexuais, os gametas, são formados.
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Figura 2 E. Telófase. Formação de uma nova membrana entre as duas células-filhas e reconstituição do envoltório nuclear ao redor do material genético de cada célula.
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Figura 2 F. Fase final da Telófase. Separação definitiva das células-filhas, com a formação e organização da membrana de cada célula formada.
Meiose
A meiose, quando produz os gametas é denominada gametogênese, que têm como finalidade a formação do óvulo e do espermatozoide. Os gametas, em oposição às células somáticas, são células haploides, ou seja, apresentam um cromossomo de cada tipo. É essa característica que garante que, durante o processo de fecundação, o material genético do zigoto seja metade materna e metade paterna, formando um indivíduo diploide.
Assim como na mitose, a meiose se inicia por uma célula-mãe (2N), porém nesse caso é necessário reduzir pela metade o número de cromossomos da célula-mãe (Figura 3), para que as células filhas passem para o estado haploide e possam tornar-se gametas diretamente ou se dividir e produzir células que mais tarde se tornem gametas. A meiose tem papel fundamental na reprodução do ser humano, visto que, sem ela o número de cromossomos dos organismos seria duplicado a cada geração, situação que logo se tornaria insustentável à vida, devido às limitações de tamanho e capacidade metabólica das células.
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Figura 3. Representação da ploidia (2n; 4n; n) das células formadas em cada etapa dos processos de Mitose e Meiose. A mitose inicia com uma célula-mãe diploide (2n) e forma 2 células-filhas diploides (2n) idênticas. Enquanto a meiose parte de uma célula (meiócito) diploide (2n) e forma quatro células haploides (n), futuros gametas, não idênticas entre si.
O processo de meiose conta com duas divisões celulares: (1) meiose I e (2) meiose II (figura 5). A meiose I é denominada também de divisão reducional, pois é durante ela que irá ocorrer a separação dos cromossomos homólogos e, consequentemente a redução da ploidia. Dentro da meiose I há 4 fases: prófase I; metáfase I; anáfase I e telófase I.
Meiose I: Como na mitose, a meiose se inicia quando os cromossomos já foram duplicados.
Prófase I: Dividida em 5 fases distintas. Basicamente, durante essas etapas os cromossomos homólogos da célula se aproximam muito. Esse processo de pareamento entre homólogos é denominado sinapse. Esses cromossomos trocam material genético, fenômeno denominado crossing over e as regiões em que ocorrem essa troca são chamadas de quiasmas. Essa troca de material genético dá origem às cromátides recombinantes (Figura 4).
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Figura 4. Processo de crossing-over, através da formação do quiasma, entre os cromossomos homólogos durante a Prófase I. Ao final do processo, ocorre a formação das cromátides recombinantes.
Metáfase I: cromossomos pareados seguem em direção a polos opostos do fuso, essa orientação irá garantir que cada polo receba um membro de cada par.

Figura 5 A. Metáfase I. Etapa em que os cromossomos ficam pareados no fuso meiótico.
Anáfase I: os cromossomos pareados, separam-se definitivamente. Essa separação é denominada disjunção cromossômica

Figura 5 B. Anáfase I. Separação dos cromossomos homólogos em direção a polos opostos da célula.
Telófase I: as células-filhas são separadas por membranas, os cromossomos são descondensados e um núcleo se forma ao redor de cada célula-filha.

Figura 5 C. Telófase I. Divisão final das células-filhas (N), com formação do envoltório nuclear de cada célula.
Resultado da meiose I: 2 células-filhas (N) que contém um conjunto haploide de cromossomos, no entanto, cada um apresenta duas cromátides-irmãs. Cada célula tem metade dos cromossomos da célula mãe.
Meiose II: lembrando que, são as duas células (N), produzidas na meiose I, que irão participar do processo
Prófase II: cromossomos se condensam novamente e se fixam em um novo fuso.

Figura 5 D. Prófase II. Condensação dos cromossomos para o início da formação do fuso meiótico.
Metáfase II: cromossomos se alinham em uma placa equatorial da célula e seus centrômeros dividem-se para que as cromátides-irmãs possam seguir até polos opostos.

Figura 5 E. Metáfase II. Cromossomos condensados alinhados na placa equatorial, para que ocorra a divisão de suas cromátides-irmãs.
Anáfase II: cromátides irmãs de cada cromossomo se separam e se movem para pólos opostos como cromossomos separados

Figura 5 F. Anáfase II. Separação das cromátides-irmãs para polos opostos, que irão formar as células-filhas (N).
Telófase II: cromátides separadas, agora denominadas cromossomos, reúnem-se nos polos e surgem núcleos ao seu redor. Cada célula-filha, 4 no total, contém um conjunto haploide de cromossomos.
Como esse processo ocorre com as duas células (n) formadas na meiose I, o resultado da meiose II: 4 células-filha (N) que não são geneticamente idênticas.
Há algumas diferenças importantes entre os processos de mitose e meiose (Tabela 1). Primeiro, em relação a localização, a primeira ocorre em todos os tecidos enquanto a segunda ocorre em células germinativas especializadas presentes nos testículos e nos ovários. Quando comparados os produtos, a mitose produz células somáticas diploides; enquanto a meiose produz espermatozoides e ovócitos secundários haploides. Acerca do pareamento dos homólogos maternos e paternos, esse é um processo que ocorre apenas na meiose I. Assim como a recombinação também é um processo quase exclusivo da meiose, sendo muito rara e anormal na mitose.
Tabela 1. Comparação entre os processos de Mitose e Meiose, em relação a: localização; produtos; replicação do DNA e divisão celular; duração da prófase; pareamento dos homólogos maternos e paternos; recombinação e relação entre as células-filhas.

Meiose - Gametogênese
A meiose destinada a formação dos gametas é denominada gametogênese. Sendo no sexo feminino oogênese, e no masculino espermatogênese.
A espermatogênese inicia-se já durante o desenvolvimento embrionário. Nos testículos do embrião, células diploides denominadas células germinativas primordiais sofrem diversas divisões mitóticas, dando origem a várias espermatogônias, que continuam a se dividir por mitose durante toda a vida do homem. Durante a puberdade, que geralmente ocorre entre os 13 e 16 anos de idade, algumas espermatogônias sofrem algumas modificações e formam uma célula diploide denominada espermatócito primário. Os espermatócitos I entram em meiose e ao final formam-se os espermatócitos II, que são células haploides com n cromossomos duplicados. Estas células entram em meiose II e dão origem às espermátides, que também são células haploides. As espermátides sofrem um processo denominado espermiogênese, em que não divisão celular, e se transformam em espermatozoides. Cada espermatócito I forma 4 espermatozoides (Figura 6).

Figura 6. Processo de gametogênese feminina (ovogênese) e masculina (espermatogênese). Durante o início do processo ocorre uma intensa proliferação celular da espermatogônia (2n) e ovogônia (2n), através de sucessivas mitoses. Depois, ocorre o processo de meiose I, dando origem ao ovócito primário, na ovogênese, e espermatócito primário na espermatogênese. Em seguida, ocorre a meiose II, resultando no ovócito secundário e espermatócito secundário. Os espermatócitos secundários (2n), após completarem a segunda divisão meiótica, dão origem às espermátides (n), sendo que, cada espermatócito secundário origina duas espermátides. As espermátides (n) irão sofrer um processo de maturação e originar os espermatozoides. Enquanto, que na ovogênese, após a meiose II ocorre a formação do ovócito secundário (N), que dará origem a um ovócito maduro (n), que irá participar da reprodução, quando fecundado.
A ovogênese também se inicia no período embrionário. As células germinativas primordiais (2n) do ovário dividem-se por mitoses sucessivas, formando várias ovogônias diplóides. Algumas delas começam a aumentar muito de tamanho, entrando em período de crescimento, formando os ovócitos primários. Os ovócitos primários iniciam sua primeira divisão meiótica antes do nascimento, mas param na prófase I (na fase do diplóteno) até na adolescência. Após o nascimento da mulher, não se forma mais nenhum ovócito primário, ao contrário do que ocorre com o homem. A partir da puberdade um folículo irá amadurecer a cada mês, e completar a primeira divisão meiótica e parar novamente na metáfase da segunda divisão meiótica. Forma-se o ovócito secundário e outra estrutura denominada corpo polar, que logo irá se degenerar. A meiose II do ovócito secundário apenas será retomada se ele for penetrado por um espermatozoide.
O estudo do processo da formação dos gametas permite compreender em quais etapas podem ocorrer erros que resultam na formação de óvulos e/ou espermatozoides com número de cromossomos sexuais alterado. É essa alteração que ocorre nas aneuploidias, como no caso da Síndrome de Klinefelter.