Genética na Comunidade
Transtornos psiquiátricos e a Síndrome de Klinefelter Ana Paula Lechetta, Mariana Drage Silvestri e Michelle Susin
Estudos mostram que há risco aumentado de desenvolver transtornos psiquiátricos, principalmente transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtorno do espectro autista (TEA), e transtorno depressivo (2).
Uma pesquisa realizada em hospitais na Dinamarca (3), avaliou os diagnósticos de admissão e alta recebidos por indivíduos com cariótipo XXY (N=832) e um grupo de controle pareado (N=4033). Foi observado que indivíduos com XXY tinham um risco aumentado em aproximadamente 3,65 de hospitalizações por algum distúrbio psiquiátrico, quando comparado ao grupo controle.
Ratcliffe et al, 1999 ao acompanharem (4) 19 indivíduos XXY diagnosticados ao nascimento observaram que portadores da Síndrome de Klinefelter, quando comparados ao grupo controle, tinham 26% mais encaminhamentos psiquiátricos. Em relação a grupo de adolescentes, outra pesquisa (5), concluiu que portadores do cariótipo XXY eram, nessa faixa etária, mais propensos a receber diagnósticos psiquiátricos (54%) quando comparado aos grupos controles (14%)
Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade
O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é uma condição psiquiátrica que afeta o funcionamento das crianças, com sintomas que se iniciam durante a infância e incluem dificuldade de atenção e concentração, desorganização, dificuldade em completar tarefas, esquecimento, e perder objetos. Tais sintomas precisam estar presentes antes dos 12 anos e durarem no mínimo 6 meses para que a criança seja diagnóstica com TDAH. É importante que o diagnóstico e tratamento sejam feitos cedo para que os sintomas não persistam até a vida adulta e causem piores consequências(7).
Transtorno depressivo
O transtorno depressivo maior representa a condição clássica do grupo de transtornos depressivos. É caracterizado por cinco (ou mais) dos seguintes sintomas: humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias; diminuição do interesse ou prazer em quase todas as atividades feitas durante o dia; perda ou ganho significativo de peso, não intenciona; insônia ou hipersonia (aumento do sono); agitação ou retardo psicomotor; fadiga ou perda de energia quase todos os dias; sentimento de inutilidade ou culpa excessiva; capacidade diminuída para se concentrar e pensamos recorrentes de morte (não somente medo de morrer)(6).
Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG)
O transtorno de ansiedade generalizado é caracterizado pela presença de ansiedade e preocupação excessivas em relação a diversos eventos ou atividades. O indivíduo tem dificuldade de controlar a preocupação e de evitar que pensamentos preocupantes interfiram na atenção às demais tarefas. A diferenciação entre o transtorno de ansiedade generalizada e da ansiedade não patológica é difícil. Porém, algumas características do transtorno de ansiedade generalizada podem auxiliar o diagnóstico correto. Em relação às preocupações, elas são excessivas e interferem de forma significativa no dia a dia do indivíduo, nas atividades que ele realiza, são mais intensas e têm maior duração e frequentemente são acompanhadas de sintomas físicos como inquietação, sofrimento, tremores, náusea, tensão muscular, entre outros (6).
Qual a incidência do transtorno depressivo e de ansiedade em portadores da Síndrome de Klinefelter?
Um estudo (8) recrutou portadores da Síndrome de Klinefelter acima de 14 anos com cariótipo XXY para avaliar a incidência de transtorno depressivo nesse grupo. A pesquisa foi realizada com um número amostral significativo de 310 individuos, com idades entre 14 e 75 anos. Os sintomas depressivos foram avaliados por meio da Escala de Depressão do centro de estudos epidemiológicos (referência). Como resultado foi observado que 69% dos indivíduos da amostra pontuaram o escore em, ou acima da pontuação limite de 16 pontos. Esse valor indica que a pessoa tem níveis significativos de sintomas depressivos e estão em maior risco de desenvolver essa patologia.
Em relação ao transtorno de ansiedade, pesquisas já demonstraram que aproximadamente 18% dos portadores da Síndrome de Klinefelter sofrem de ansiedade generalizada(9) . Um estudo realizado na Holanda avaliou diagnósticos psiquiátricos atuais e ao longo da vida de pacientes Klinefelter em uma amostra de 31 pacientes. O estudo identificou uma prevalência de transtornos psiquiátricos, incluindo doenças psicóticas em paciente Klinefelter em comparação com a população masculina geral. Não houve diferenças entre pacientes com cromossomo X extra maternos comparado àqueles com cromossomo X extra paterno (10).
Há relação entre o cromossomo X e o desenvolvimento do transtorno de ansiedade e depressão em portadores da Síndrome de Klinefelter?
O número e constituição dos cromossomos sexuais também pode influenciar o risco de depressão e transtorno de ansiedade em portadores da Síndrome de Klinefelter 47, XXY(11).
Já é comprovado que o cromossomo X contém mais genes relacionados ao sistema imunológico, que garante a proteção do corpo contra agentes externos. Uma das evidências disso é a prevalência do sexo feminino em doenças autoimunes, patologias desencadeadas por um alteração funcional do sistema imunológico que desencadeia uma resposta, contra o próprio corpo do indivíduo(12).
Uma possível relação do sistema imunológico com transtornos de depressão e ansiedade foi evidenciada a partir da observação de níveis aumentados de biomarcadores inflamatórios no sangue pacientes diagnosticados com depressão (13)(14).
Desta forma, pela dose aumentada nos genes presentes no cromossomo X, essa é uma das possíveis hipóteses para a prevalência de depressão e ansiedade na Síndrome de Klinefelter (13)(14).
Quais são os outros possíveis fatores que interferem no desenvolvimento do transtorno de ansiedade e depressão?
O desenvolvimento do transtorno de depressão e ansiedade está também interligado a qualidade de vida. Segundo a OMS, qualidade de vida é a percepção do indivíduo de sua inserção na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Isso envolve o bem estar espiritual, físico, mental, psicológico e emocional, além de relacionamentos sociais, como família e amigos e, também saúde, educação (21).
A síndrome de Klinefelter pode ter impacto significativo na qualidade de vida do indivíduo, seja pelas manifestações da síndrome; estigmas da sociedade; escassez de conhecimento sobre o tema, o que pode desencadear uma insegurança; influencia genética em si. Um estudo (22)que avaliou o impacto da síndrome na qualidade de vida dos indivíduos 47, XXY demonstrou que dentre os entrevistados (N = 169 a 210), cerca de 20% indicaram que as diferenças na aparência devido ao XXY, como ginecomastia, aumento da altura, testículos pequenos, eram o que mais impactavam negativamente em viver com XXY. Além disso, diversos participantes relataram ser alvo de bullying em decorrências da aparência física da síndrome. Outros estudos (23)(24) também demonstraram que a infertilidade é uma questão de importante impacto na qualidade de vida dos portadores.
Dessa forma, é necessário estudar e avaliar o transtorno de ansiedade e depressão nesses pacientes não apenas em relação a questão genética, mas também o contexto de qualidade de vida, a fim de garantir uma melhor abordagem e prognóstico.
Transtorno do espectro autista (TEA)
As principais características do transtorno do espectro autista são: prejuízo persistente na comunicação social recíproca (Critério A) e interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades (Critério B). Em relação ao Critério A podemos citar alguns exemplos: dificuldade para iniciar ou responder a interações sociais; déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para interação social; ausência total de expressões faciais e comunicação não verbal; dificuldade em se ajustar em contextos sociais, como fazer brincadeiras ou amigos.
Já o Critério B engloba por exemplo: insistência nas mesmas coisas; incômodo em relação a pequenas mudanças; necessidade de seguir um padrão nas atividades ou ingerir os mesmos alimentos diariamente; apego/interesse fixo a alguns objetos; cheirar ou tocar objetos de forma excessiva; fascinação visual por luzes ou movimentos, entre outros (6).
Autismo na Síndrome de Klinefelter
A prevalência de autismo variava em torno de 4/10.000 indivíduos, porém essa relação já foi superada e varia hoje em torno de 1 a 6/1.000 indivíduos. Não está claro se essa mudança é resultado do aumento de rastreio e diagnóstico ou é atribuível a suscetibilidade biológica e fatores externos(25).
Na literatura, já foram relatados (26),(27),(28)(29)diversos casos de espectro de autismo em portadores da Síndrome de Klinefelter. Um estudo(30), realizado na Suécia, publicado em 2017, comparou uma amostra de 86.000 pacientes portadores de Klinefelter com controles populacionais pareados, para avaliar o risco de esquizofrenia, transtorno bipolar, transtorno do espectro de autismo e TDAH em pacientes Klinefelter. No caso de autismo, os portadores da síndrome apresentaram seis vezes mais risco de desenvolver esse transtorno, em relação ao grupo controle.
Sendo assim, é nítida a importância do rastreio dessa doença nos portadores da Síndrome de Klinefelter.
Qual o papel da genética no desenvolvimento do autismo?
O papel da genética no desenvolvimento do autismo é embasado pelo fato, dentre outros, de que gêmeos monozigóticos, àqueles que dividem o mesmo material genético, apresentam uma taxa de concordância para autismo entre 60 e 90%. Enquanto, que gêmeos dizigóticos apresentam uma taxa de aproximadamente 5%. (31)(32).
Há também evidências de que existe uma influência genética do cromossomo X no desenvolvimento do autismo, uma vez que a prevalência dos casos de autismo no sexo masculino, na faixa de 4:1 a 10:1, quando comparados ao sexo feminino (32).
Quais as alterações no sistema límbico encontradas na SK e como elas pode estar ligadas a transtornos psiquiátricos?
Estudos de imagem feitos em crianças e adolescentes XXY revelam que há uma diferença de volume cerebral em determinadas regiões(15). Dessa forma, no sistema límbico, foi percebida uma redução no volume da substância cinzenta nas regiões do hipocampo, do córtex parahipocampal e da amígdala (16).
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TDAH: Estudos de imagem relevaram uma redução no volume da amígdala em indivíduos com TDAH (17). Levando em conta que os indivíduos XXY apresentam também uma redução do volume substância cinzenta na amígdala, essa alteração estrutura pode ser uma das causas da maior incidência de TDAH nesses pacientes.
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TEA: Entre diversas outras áreas do cérebro, a amígdala foi uma das regiões onde foram encontradas alterações estruturais em indivíduos com transtorno do espectro autismo, relacionado essa alteração com dificuldades em interações sociais(18). Dessa maneira, como os indivíduos com SK podem possuir a amígdala com tamanho reduzido, essa alteração pode estar contribuindo para a maior incidência de TEA em tais pacientes.
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Transtorno Depressivo: Como uma possível explicação, dois estudos realizados em 2016, revelaram que a atrofia, ou seja, uma redução do tamanho, do hipocampo está presente em pacientes com transtorno depressivo (19,20). Considerando, que essa mesma alteração foi observada em pacientes com SK, esse fato sugere a possibilidade de uma relação entre as alterações no sistema límbico de indivíduos XXY com a essa incidência de transtornos psiquiátricos.
Superexpressão do gene PCDH11XY e a prevalência de transtornos psiquiátricos na Síndrome de Klinefelter
A maior incidência de anormalidades cerebrais psiquiátricas e estruturais em indivíduos com Síndrome de Klinefelter, pode ser explicada devido à presença de cópias extras de genes homólogos X-Y que escaparam da inativação do cromossomo X. Dentre esses genes está o gene PCDH11XY, expresso no cérebro e com potencial influência no desenvolvimento de doenças, como dislexia e transtorno esquizoafetivo (33)
O gene PCDH11XY é um par de genes localizados no cromossomo X e no cromossomo Y (Xq21.3/Yp11.2) essenciais para o desenvolvimento adequado e funcional do sistema nervoso central. O PCDH11XY codifica a produção de proteínas envolvidas na sinalização celular, que se fixam na superfície das células nervosas. É uma molécula de adesão celular, pertencente ao grupo das caderinas, que está ligada a comunicação intercelular, orientação axonal e conectividade do córtex cerebral. Além disso, também está associada ao processamento de linguagem e habilidade verbal.
De acordo com Lopes AM, e Ross N (2006) (33), o gene ligado ao X se tornou transposto para o cromossomo Y após a divisão das linhagens humano-chimpanzé durante a evolução. O ganho de um homólogo ligado ao Y pode ser um dos fatores que favoreceram o escape desse gene na inativação do cromossomo X. Um estudo (34) teve como objetivo analisar o escape da inativação do gene PCDH11XY em portadores da Síndrome de Klinefelter e confirmou que ele é superexpresso em indivíduos com cariótipo 47, XXY.
Tendo em vista a função da expressão aumentada desse gene na SK é relevante a hipótese de que o gene apresenta influência no desenvolvimento e a necessidade de maiores estudos sobre o tema.