
Genética na Comunidade
Efeito de dose
Rafael Machado e Michelle Susin
Quando em condições normais um gene apresenta dois alelos, um em cada cromossomo homólogo e cada um desses alelos é responsável pela produção de 50% da dose de produto gênico, ou seja, 50% da quantidade das proteínas desse gene, resultando em 100% da quantidade de proteínas necessárias para uma determinada função da célula de um determinado órgão, por exemplo: os testículos. (Figura 1 A)
Figura 1. Aumento da dose de um determinado alelo na presença de uma cópia extra. (A) Produção de proteína em quantidade normal (100%) na presença de dois alelos. (B) Produção aumentada para 150% na presença de um alelo a mais.
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Porém, é possível que, em determinadas condições, um ou mais genes apresente mais de dois alelos devido a uma cópia a mais do cromossomo. Cada alelo então, continuará produzindo a mesma quantidade de proteínas, entretanto devido a presença de um alelo extra, a quantidade final de proteínas é maior, ou seja, houve um aumento da dose desse determinado gene, pois, por apresentar uma cópia a mais sua expressão foi aumentada (Figura 1 B). Considerando que a quantidade dessas proteínas pode ter efeito direto na sua função ou na função de outras proteínas haverá ganho de função, ou seja, exacerbação da função pela qual essa proteína e responsável.
Da mesma forma que um gene pode ter sua função aumentada (ganho de função) devido à, por exemplo, um alelo extra, genes podem ter sua função diminuída devido a presença de menos alelos gerando proteínas viáveis. Caso um dos alelos desse gene sofra mutação perda sua capacidade de gerar proteínas ou apenas gera proteínas inviáveis, apenas um desse alelos produzirá produtos viáveis, dessa forma a quantidade de proteínas funcionais cairá pela metade. (Figura 2 C)
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Figura 2. Diminuição da dose de um determinado gene. (A) Produção genica reduzida à metade devido a um alelo não viável. (B) Devido a diminuição da quantidade de fatores de transcrição gerando menor produção genica mesmo na presença de dois alelos viáveis.
Assim como a perda da função de um alelo faz com que a produção de proteínas viáveis caia para apenas 50%, a perda de ambos os alelos irá gerar perda total da formação dessa proteína e esse gene não é mais capaz de gerar proteínas. Porém essa não é a única forma de um gene produzir menos produtos do que deveria. Mesmo que se ambos os seus alelos formem produtos viáveis se esses forem “pouco estimulados” para realizarem sua função, devido a presença de menos fatores de transcrição, esses produzirão menos proteínas (Figura 2 B). No caso da figura acima embora os dois alelos tenham a capacidade de gerar produtos viáveis, pela presença de menos fatores de transcrição, acabam por cada um produzir apenas metade do que são capazes. Isso ocorre na síndrome de Klinefelter (SK) pois a presença de um cromossomo X a mais gera, em alguns genes, menor quantidade de alguns fatores de transcrição.
Além disso, um gene estruturalmente normal pode não gerar nenhum produto, isso ocorre, pois, genes podem ser inativados. Através de modificações epigenéticas, genes podem, mesmo mantendo sua sequência de bases inalteradas, se tornarem inacessíveis aos fatores de transcrição, dessa forma mesmo na presença dos fatores de transcrição necessários, alelos desse gene podem não gerar produto nenhum (Figura 3). É por esse mecanismo que o cromossomo X extra tem vários alelos inativados tanto na mulher (XX) quanto nos portadores da síndrome de Klinefelter, na tentativa de manter uma quantidade parecida de alelos não silenciados que em indivíduos XY.
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Figura 3. Efeito da inativação de um gene em sua dose. Gene com alelos viáveis gerando 100% da sua produção (à esquerda) sendo inativado e consequentemente perdendo sua capacidade de transcrição, agora sendo incapaz de gerar produto (à direita).
Efeito de dose nos cromossomos sexuais
Rafael Machado e Michelle Susin
Quando o assunto é cromossomos sexuais, o efeito de dose pode ser um pouco diferente em uma aneuploidia (alteração no número de cromossomo, podendo ser adição ou perda de um ou mais cromossomos), devido ao fato de que os cromossomos X e Y são apenas parcialmente homólogos. Embora apresentem alguns genes em comum, existem vários exclusivos do cromossomo X ou do Y. Dessa forma para entender a dose de um gene em um caso de aneuploidia nesses cromossomos é preciso saber se ele é ou não compartilhados pelo X e Y.
No caso da Síndrome de Klinefelter (SK), a presença de um cromossomo X a mais em um indivíduo do sexo masculino, gerará diferentes doses dependendo do gene. Genes compartilhados pelos dois tipos de cromossomos apresentarão 3 alelos, os exclusivos ao X apresentarão 2, e únicos ao Y continuarão com apenas 1 (Figura 4). Além de serem apenas parcialmente homólogos outra diferença da síndrome de Klinefelter de outras aneuploidias em relação ao efeito de dose é que devido a inativação da maior parte dos genes no cromossomo X extra, não são todos os genes exclusivos ao X que apresentam mais de um alelo que gera produto, sendo que apenas alguns genes que escapam a inativação e apresentam um aumento de dose devido a presença de um alelo extra.
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Figura 4. Comparação entre o número de alelos do mesmo gene nos cromossomos sexuais de um homem (XY) e um homem (XXY) portador de Klinefelter. Representação dos cromossomos sexuais de um indivíduo XY (à esquerda) e um XXY (à direita) com os genes compartilhados entre X e Y em laranja, genes exclusivos do X em azul e exclusivos do Y em verde e o número de alelos dos genes em cada uma dessas regiões com a mesma cor dos genes em questão.
Um exemplo de como essa dose aumentada pode influenciar as características de um indivíduo com a síndrome é o caso do gene SHOX. Esse gene é localizado na região do cromossomo X na qual é compartilhada com o Y e é capaz de escapar inativação do X (material sobre inativação do cromossomo X), dessa forma apresenta 2 alelos ativos normalmente, tanto no homem quanto na mulher. O SHOX está relacionado com a altura do indivíduo, quanto mais expresso é esse gene, maior é a estatura dessa pessoa.
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Figura 5. Produção de SHOX aumentada em Klinefelter devido a presença de um alelo a mais e sua consequência fenotípica. Comparação entre a produção de SHOX de um homem XY (à esquerda) e de um homem XXY (à direita). Devido a presença de um cromossomo X e consequentemente um alelo de SHOX extra o homem XXY apresenta maior produção dessa proteína e dessa forma maior estatura média, devido a função desse.
Em Klinefelter o indivíduo por apresentar pelo menos mais um X, apresentará uma maior dose de SHOX, devido ao fato de apresentar pelo menos 3 copias desse gene. Esse alelo extra irá gerar uma maior produção da proteína, dessa forma a função desse gene está aumentada, o que levará a uma maior estatura (Figura 5). Dessa forma podemos dizer que a dose aumentada de SHOX é o principal fator que leva portadores da síndrome a apresentarem uma altura média de 5 a 7 cm maior do que a média masculina normal.