
Genética na Comunidade
O que é o DNA? Como essa molécula se organiza na célula? Ana Paula Lecheta e Michelle Susin
Para compreender como as síndromes genéticas ocorrem é preciso entender alguns princípios básicos da genética. O objetivo dessa área é estudar a herança biológica, ou hereditariedade, que consiste na transmissão de características de pais para filhos, ao longo das gerações.
Estrutura do DNA
O DNA é formado por nucleotídeos que apresentam três componentes (Figura 1): (1) uma molécula de açúcar; (2) uma molécula de fosfato; e (3) uma base nitrogenada. A molécula de açúcar presente no DNA é a desoxirribose, por esse motivo, é reconhecido também como ácido desoxirribonucleico. Os nucleotídeos presentes no DNA, são distinguidos pela sua base nitrogenada que são adenina (A), guanina (G), citosina (C) e timina (T). É importante reconhecê-las, pois algumas mutações estão relacionadas à algum erro na sequência dos nucleotídeos.
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Figura 1. Estrutura de um nucleotídeo. A molécula apresenta três componentes: um grupo fosfato; um açúcar (desoxirribose), e uma base nitrogenada (adenina; guanina; citosina ou timina)
No molécula do DNA, os nucleotídeos se organizam em forma de cadeia, de forma que o fosfato de um nucleotídeo interage quimicamente com o açúcar de outro nucleotídeo. De uma extremidade da cadeia até a outra, as bases formam uma sequência linear característica dessa cadeia específica. A correspondência entre a sequência de nucleotídeos no DNA e a ordem dos aminoácidos nas proteínas é o que denominamos de código genético. Esse sistema permite identificar qual cadeia polipeptídica uma sequência de tríades de bases de DNA irá formar. No DNA, no entanto, são formadas por duas cadeias de nucleotídeos, que estão unidas por atrações químicas, chamadas pontes de hidrogênio. A disposição das duas cadeias, também denominadas fitas, não é aleatória. Elas precisam estar organizadas de forma que as bases se correspondam: base timina ligada à base adenina; base guanina ligada à base citosina, como representada na figura. Dessa forma, cada fita de DNA contém uma sequência de nucleotídeos que é complementar à sequência de nucleotídeos da outra fita (Figura 2). Essa propriedade será importante para compreender a replicação do DNA, método fundamental de propagação de informação genética, que será abordado adiante. Outra propriedade importante do DNA é que ele se encontra em forma de dupla-hélice, resultado do enrolamento das duas fitas. O entendimento da organização dimensional do DNA é essencial para compreender como nosso corpo transmite o material genético para outras células que são continuamente formadas em nosso corpo, processo chamado de replicação do DNA.
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Figura 2. Estrutura da fita dupla de DNA e as respectivas ligações entre as bases nitrogenadas complementares: Adenina com Timina; Citosina com Guanina.
Replicação do DNA
O crescimento do ser humano, desde um óvulo fecundado até o tamanho de adulto é possível devido a constante produção de novas células. A estimativa é de que o ser humano adulto de tamanho médio tem cerca de 10 trilhões de células. Durante a formação de novas células, o material genético precisa ser duplicado através de um processo denominado replicação do DNA.
Para que a replicação ocorra é necessário que as duas cadeias polinucleotídicas que formam a hélice do DNA se separem, de modo a expor as bases que irão orientar a formação das novas cadeias de DNA. A região de separação das cadeias é denominada forquilha de replicação. As duas fitas de DNA agora separadas são nomeadas de fitas parentais e serão utilizadas como molde para a formação das novas fitas de DNA.
A enzima DNA polimerase, um exemplo de proteína, será a responsável pela construção da nova fita, utilizando uma das fitas parentais ela irá associar novos nucleotídeos a ela, seguindo a correspondência das bases nitrogenadas: base timina (T) ligada à base adenina (A); base guanina (G) ligada à base citosina (C). Como ilustrado na figura 3.
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Figura 3. Replicação do DNA. As ligações entre as bases nitrogenadas das fitas de DNA originais se rompem, permitindo a separação das duas fitas. Cada uma delas será utilizada como molde para a síntese de uma nova fita de DNA, seguindo a organização: base timina ligada à base adenina; base guanina ligada à base citosina.
Dessa forma, a nova cadeia de DNA é formada por uma fita parental e outra fita nova. Por esse motivo, a replicação do DNA é denominada semi-conservativa, visto que, a nova cadeia formada carrega uma fita de DNA da célula que iniciou a reprodução. A replicação do DNA é um dos meios que garante que nosso corpo consiga produzir mais células e propagar o nosso material genético durante a divisão celular.
Dentro do núcleo, o DNA é encontrado em diferentes níveis de compactação. Essa compactação é necessária principalmente devido ao tamanho do DNA, de aproximadamente dois metros, muito maior que a célula. Além disso, ocorre a ativação e/ou inativação de regiões selecionadas do material genético, de acordo com a abertura e compactação do DNA, ou seja, maior ou menor acessibilidade para ser utilizado pela célula. Por fim, esse processo também é importante para a proteção e estabilização do material genético.
Há três níveis de compactação do DNA que serão detalhados a seguir (Figura 4):
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1º nível de compactação: empacotamento do DNA em hélice nos nucleossomos. Cada nucleossomo é composto por um oito proteínas, denominadas histonas, com DNA enrolado em torno desse núcleo.
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2º nível de compactação: dobramento da fibra de nucleossomo, que produz a cromatina. Heterocromatina: regiões da cromatina que permanecem condensadas Eucromatina: regiões da cromatina que podem ser abertas
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3º nível de compactação: a condensação da cromatina leva a formação dos cromossomos densamente acondicionados. Apenas o DNA compactado em um cromossomo pode ser transmitido de maneira eficiente para outras células, durante a divisão celular.

Figura 4. Níveis de compactação do material genético. O DNA organizado em dupla-hélice, reduz em 1/3 o seu tamanho para formar o primeiro nível de compactação (1) Empacotamento do DNA em hélice nos nucleossomos, estruturas constituídas por oito proteínas histônicas, formando a cromatina. Os nucleossomos se dobram entre si (2) para produzir uma fita de 30nm, em seguida esse material genético reduz ainda mais seu tamanho, formando alças de 300nm (3). O nível máximo de compactação é a forma em cromossomos (4), com 1400nm.
Os cromossomos
Como citado anteriormente, o cromossomo consiste no nível máximo de condensação da cromatina, formada por DNA e proteínas associadas.
Os cromossomos são mais bem visualizados durante um processo denominado metáfase, período da divisão celular que o cromossomo é duplicado e se apresenta na morfologia de “X” – cromossomo metafásico (Figura 5). Essa forma permite reconhecer melhor sua estrutura.
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Figura 5. Alteração na estrutura do cromossomo após sua replicação, dando origem ao cromossomo metafásico e suas cromátides-irmãs.
Cada cromossomo é constituído por dois filamentos denominados cromátides, unidos pelo centrômero. Quando ocorre sua duplicação, as cromátides irão se duplicar, formando então duas cromátides-irmãs unidas por seus centrômeros. Cada cromátide-irmã é constituída por uma molécula de DNA. Elas representam o produto final da duplicação de um cromossomo, por isso são idênticas entre si.
A posição do centrômero é o principal ponto de referência para a identificação morfológica do cromossomo, e determina sua classificação como: metacêntrico, localizado na região central; submetacêntrico, localizado um pouco distante do centro; acrocêntrico, quando o centrômero está mais próximo de uma das extremidades do cromossomo; telocêntrico, quando o centrômero está tão próximo de uma das extremidades que apenas o braço longo pode ser visualizado (Figura 6).
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Figura 6. Classificação dos cromossomos de acordo com a posição do centrômero: metacêntrico; submetacêntrico; acrocêntrico e telocêntrico.
O ser humano apresenta, em cada célula, um total de 46 cromossomos, organizados em 22 pares comuns (cromossomos autossômicos) e os cromossomos sexuais (XX ou XY).
É possível determinar relações entre os cromossomos, denominamos cromossomos como homólogos aqueles que apresentam tamanho e formato semelhante, contêm o mesmo arranjo de genes. Sendo assim, o núcleo de todas as células somáticas do corpo humano contém duas cópias de cada cromossomo, ou seja, contém um par de cada de cromossomo (cromossomos homólogos), pois um é proveniente da mãe e outro do pai. Definimos células somática quando ela não é um gameta (óvulo ou espermatozoide), e estão normalmente relacionadas a formação de tecidos e órgãos.
A apresentação dos cromossomos nas células somáticas permite afirmar que ela é uma célula diploide (Figura 7), pois apresenta um par de cada cromossomo. Por outro lado, no caso dos gametas, é utilizada a denominação haploide (Figura 7), pois cada um apresenta apenas uma cópia de cada cromossomo, isso ocorre pois durante a meiose, processo de formação dos gametas, o material genético da célula é dividido pela metade. Isso garante que a fecundação entre óvulo e espermatozoide produza um indivíduo com metade do material genético proveniente do pai, e metade proveniente da mãe.
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Figura 7. Comparação entre os núcleos de uma célula diploide (2n) e célula haploide (n). A célula diploide apresenta 2 pares de cada cromossomo, enquanto a célula haploide apresenta apenas um cromossomo de cada.
Cromossomos sexuais
A descoberta de que as mulheres apresentam cariótipo XX e os homens XY, sugeriu que o sexo pode ser determinado pelo número de cromossomos X ou pela presença de um cromossomo Y. Atualmente, é conhecido que é a presença do cromossomo Y que determina o sexo no ser humano. Se ele estiver presente, não importa quantos cromossomos X o indivíduo apresenta quando se discute sexo, será masculino.
DETERMINAÇÃO DO SEXO – O CROMOSSOMO Y: Em comparação com os autossomos e o cromossomo X, o cromossomo Y é relativamente pobre em genes, devendo conter menos de 50 genes, sendo a função de grande parte deles relacionadas ao desenvolvimento gonadal e genital. O efeito do cromossomo Y no desenvolvimento dos sistemas reprodutivos masculino e feminino ocorre em ambos os sexos por volta da 6ª semana de desenvolvimento em que as células germinativas primordiais migram de sua posição inicial para as cristas gonadais, local em que irão formar um par de gônadas primitivas. A formação de um ovário ou testículo é determinada pela ação de uma sequência de genes que normalmente levam ao desenvolvimento ovariano quando não há cromossomo Y presente, ou ao desenvolvimento testicular quando há presença do Y (Figura 8). A via ovariana ocorre apenas se não há a presença de um fator denominado fator determinante testicular (TDF), que é produto de um gene denominado SRY (região do Y determinante do sexo). Na presença de um cromossomo Y, o tecido medular forma testículos típicos, com túbulos seminíferos e células de Leydig, responsáveis pela produção de testosterona no homem. Se nenhum cromossomo Y estiver presente, a gônada forma um ovário, começando por volta da 12ª semana de gestação.
Após a formação dos testículos nos homens, a secreção de testosterona inicia o desenvolvimento de características sexuais masculinas. A testosterona é um hormônio que se liga a receptores de andrógenos em muitos tipos de células.
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Figura 8. Processo de determinação do sexo em seres humanos. O desenvolvimento dos testículos (gônadas masculinas) depende da produção do fator determinante testicular (TDF) produzido pelo gene SRY, presente no cromossomo Y. Na ausência do gene SRY, as gônadas embrionárias se desenvolvem em ovários, fenômeno que ocorre no sexo feminino.
O CROMOSSOMO X E SUA INATIVAÇÃO: As fêmeas de mamíferos possuem dois cromossomos X, e machos apenas um. Tal fato levou a um mecanismo especial de evolução conhecido como compensação de dose. Visto que, as mulheres apresentariam teoricamente o dobro de genes presentes no cromossomo X, comparado ao sexo masculino. A base do fenômeno de compensação de dose é a inativação de um dos cromossomos X, quando presente em número maior que um.
A aneuploidia, presença de um ou mais cromossomos, do cromossomo X está entre as anomalias genéticas mais comuns. Essa relativa tolerância do corpo humano em relação às anomalias do cromossomo X pode ser explicada, em termos, pela inativação cromossomo X. Ou seja, as mulheres XX apresentam apenas um cromossomo ativo, o outro fica inativado e adota uma conformação no núcleo que é denominada corpúsculo de Barr. Nos pacientes com cromossomos X a mais, qualquer um deles que seja extra é inativo e forma um corpúsculo de Barr.
Assim, todas as células somáticas diploides (2N) tanto nos homens XY quanto nas mulheres XX existe um único cromossomo X ativo, independente do número total de cromossomos X ou Y presentes. Embora o termo “inativado” seja utilizado para esclarecer o corpúsculo de Barr, ele é erroneamente interpretado como algo que não é ou será utilizado. Nem todos os genes do X são submetidos à essa inativação. Cerca de 10 a 15% dos genes escapam dessa inativação e expressam-se pelos cromossomos X ativo e inativo. Isso explica, em parte, o motivo pelo qual indivíduos do sexo masculino com cromossomos X a mais não apresentam fenótipo comum, como é explicado no tópico sobre os genes que escapam a inativação e seu impacto na síndrome de Klinefelter.
Cariótipo
A representação dos 46 cromossomos é denominada de cariótipo humano (Figura 9). Os 22 cromossomos homólogos são posicionados lado a lado, e ao final os cromossomos sexuais.
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Figura 9. Cariótipo humano, formado por 22 pares de cromossomos autossômicos e dois cromossomos sexuais (XY / XX).
O cariótipo é um dos métodos em que é possível identificar alterações que podem ocorrer no genoma. Essas alterações são divididas em (1) alterações numéricas e (2) alterações estruturais. Dentre as alterações numéricas temos a aneuploidia, que é a base da Síndrome de Klinefelter. A aneuploidia ocorre quando há um ou mais cromossomos individuais representados em uma cópia extra ou estão faltando. Na trissomia, por exemplo, há três cópias de um cromossomo particular em uma célula que seria diploide. No caso da síndrome de Klinefelter, mais comumente, há uma trissomia do cromossomo X no sexo masculino, ou seja, o indivíduo apresenta cariótipo XXY.
A principal causa da aneuploidia é a não disjunção dos cromossomos sexuais durante a gametogênese, formação dos gametas, materna ou paterna que será abordada nesse material. Definimos essa disjunção como a separação dos cromossomos homólogos entre as células que serão formadas. Entretanto, para compreender qual o impacto desse fenômeno é necessário estudar a estrutura dos cromossomos sexuais.