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Diferenças Fenotípicas em Klinefelter
                                                                                                                           Rafael Machado e Michelle Susin

Por que os portadores de Klinefelter são tão diferentes entre si?

           A Síndrome de Klinefelter não apresenta um fenótipo característico, diferente de outras aneuploidias como as síndromes de Down e Turner, portadores tendem a ser mais diferentes entre si. A relação genótipo-fenótipo da síndrome ainda não é completamente conhecida, entretanto há alguns mecanismos que aparentam ter um papel importante nessa relação e podem ser responsáveis por essas diferenças entre portadores da mesma síndrome: Polimorfismos do receptor andrógeno, a origem parental do cromossomo X extra, o desvio da inativação do cromossomo X e os diferentes cariótipos.    

Polimorfismos genéticos                                                                                              

           Antes de podermos entender a relação entre os polimorfismos do receptor andrógenos e as diferenças fenotípicas entre portadores da síndrome, é preciso conhecer o que é um polimorfismo. Um gene é segmento DNA responsável pela produção de uma proteína e ocupa um local específico no cromossomo, porém dentro de uma população existem muitas variações dessa sequência de DNA, ou seja, há diferentes alelos para esse mesmo gene. Não se pode afirmar que existe um alelo “normal” desse gene e sim que há alelos mais comuns, pois não existe uma única variação de um gene dentro de uma população.

            Dentre essas variações possíveis para um gene existem aquelas que não geram proteínas viáveis, ou seja, apresentam sua função altamente alterada e podem gerar doença, essas tendem a ser muito menos prevalentes na população (>1% dos alelos) e são chamadas de Mutação (Figura 1).

            Entretanto, existem vários alelos que, embora diferentes um dos outros, geram apenas pequenas diferenças na proteína e são mais comuns dentro da população. Esses alelos mais comuns dentro de uma população (<1%) são chamados de alelos polimórficos (Figura 1). Polimorfismos não necessariamente irão gerar mudanças no fenótipo e geralmente não são responsáveis por gerar doença. Porém, alguns polimorfismos, quando associados outras condições como fatores ambientais ou doenças podem levar a consequências fenotípicas, ou seja, polimorfismos por si só não geram consequências patológicas, porém quando somados a fatores esternos podem gerar, por exemplo, a pior manifestação de uma doença. O grande exemplo disso na síndrome de Klinefelter são os polimorfismos do receptor andrógenos e suas consequências no fenótipo.

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Figura 1.    Diferentes alelos de um mesmo gene, diferença entre polimorfismos e mutação.  Alelos mais comuns de um mesmo gene (à esquerda) são chamados de polimorfismos  e tendem a apresentar poucas diferenças entre si que geram proteínas viáveis, muitas vezes sem impacto no fenótipo. Alelos menos comuns (à direita) são chamados de mutações e podem apresentar grandes diferenças quando comparados aos alelos mais comuns e essa diferença podem levar a doença.

Polimorfismo do receptor andrógeno                                        

            Os hormônios andrógenos como a testosterona tem suas ações mediadas pelo receptor andrógeno (RA), para esses hormônios realizarem suas funções na célula precisam se ligar a esse receptor, ou seja, o RA é quem faz a ponte entre o hormônio chegando nas células e suas funções. O gene que codifica esse receptor apresenta uma repetição da sequência de bases nitrogenadas CAG, ele apresenta essa sequência repetida uma após a outra (em tandem). Essa repetição é transcrita em RNA onde o códon CAG codifica o aminoácido glutamina, dessa forma o receptor apresentara uma região Poliglutamina devido aos códons CAG repetidos. Essa região de repetição é altamente polimórfica, ou seja, a quantidade de vezes que esse triplet CAG se repete é variável, normalmente se repete de 11 até 31 vezes (Figura 2)

Figura 2 (diferenças fenotipicas).png

Figura 2. Variação do tamanho da repetição de CAG no gene do receptor andrógeno.  A figura mostra um zoom na região polimórfica do gene do receptor andrógeno, representado na esquerda o alelo com menores repetições das bases CAG e na direita o com maior número de repetições. Esses alelos serão transcritos e traduzidos para o receptor andrógeno onde o tamanho da repetição de CAG irá gerar uma sequência de aminoácidos glutamina (representado pelos círculos pretos com a abreviação Gln), onde os alelos com mais repetições (a direita) irão gerar uma proteína com maiores repetições do aminoácido glutamina.

            O receptor andrógeno, quando ligado ao hormônio tem função de um fator de transcrição, dessa forma ele se liga a genes alvo estimulando a transcrição desses. Foi observado que quanto maior a repetição de CAG menor é a interação entre o RA e os genes alvo. Ou seja, o tamanho a repetição de CAG é inversamente associado à função do receptor, então, repetições menores estão relacionados com uma maior função transcricional do receptor andrógeno. Porém, em indivíduos com níveis normais de testosterona, essa diferença não é importante o suficiente para gerar consequências relevantes e independente do número de repetições de CAG ambos apresentam função andrógena normal (Figura 3).

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Figura 3. Efeito do número de repetições de CAG na função do receptor andrógeno.  À esquerda o receptor andrógeno com menor repetição de CAG se ligando ao DNA com maior avidez e gerando grande quantidade de proteína. À direita o receptor de maior repetição se ligando ao DNA com menor avidez e assim gerando menos proteína, porém sem consequência

         Já em indivíduos portadores da síndrome de Klinefelter esses polimorfismos do receptor andrógenos mostraram ter impacto no fenótipo e explica algumas variações entre portadores da síndrome como altura, comprimento dos braços, volume testicular e presença de ginecomastia. Isso ocorre pois devido ao hipogonadismo (níveis mais baixos de testosterona), a diferença na função do receptor causada pela repetição de CAG, que em outros indivíduos não era significativa, se torna importante (Figura 4).

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Figura 4. Efeito do número de repetições de CAG na função do receptor andrógeno em portadores da síndrome de Klinefleter.  À esquerda um receptor com menor repetição de CAG e maior avidez ao DNA, à direita o receptor com maior repetição e dessa forma menor avidez ao DNA, que junto ao hipogonadismo leva a uma menor função androgênica quando comparado a menor repetição.

          Estudos mostraram que indivíduos portadores de Klinefelter com um maior número de repetição de CAG no gene do receptor apresentam em média altura, tamanho dos braços e das pernas maiores quando comparado com os que possuíam menores repetições de CAG, mostrando assim que o número de repetições parece ser positivamente relacionado com essas características. A principal hipótese para essa correlação vem do fato de que os portadores de repetições mais longos aparentem ter também uma puberdade mais tardia e isso levaria a uma maior altura e tamanho dos membros. Isso acontece, pois, a puberdade mais tardia leva a um fechamento mais tardio das placas epifisárias (placas cartilaginosas presente nos ossos longo que permitem o crescimento desses) levando a uma maior possibilidade do crescimento de ossos longos como o dos braços e das pernas.
     Também foi observado em outros estudos correlações entre repetições maiores e menor volume testicular, menor comprimento peniano e maior prevalência de ginecomastia, porém esses dados ou são descritos por apenas um estudo ou são contraditos por outros, sendo assim ainda não é possível confirmar a correlação entre essas características e o polimorfismo do receptor, pois ainda são necessários mais estudos para elucidar a questão. A relação entre o número de repetições de CAG, suas consequências fenotípicas e as referências dos estudos que relataram essa correlação podem ser vistos na Tabela 1.

 

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Tabela 1. Relação entre tamanho da repetição de CAG no receptor andrógeno e seu efeito em características nos portadores de Klinefelter.

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