
Genética na Comunidade
Como o material genético exerce suas funções?
Rafael Machado, Matheus Bérgamo e Michelle Susin
Transcrição
O processo de transcrição consiste na conversão de uma sequência de DNA em uma molécula de RNA equivalente e ocorre dentro do núcleo da célula onde o material genético está armazenado. Evento este que é fundamental para a manutenção da função celular, uma vez que o DNA exerce a função de armazenar e codificar as informações contidas em suas sequências de nucleotídeos.
Por outro lado, moléculas de RNA apresentam diversas funções, como o RNA transportador (tRNA) que transporta aminoácidos usados no processo de tradução (produção de uma proteína a partir do mRNA); o RNA ribossômico (rRNA) faz parte do ribossomo, um complexo proteico que efetua a síntese proteica; e o RNA mensageiro (mRNA) que se encarrega de transmitir uma sequência de nucleotídeos para que uma proteína seja formada. Além destes três principais grupos de RNA, existem outros tipos que RNAs secundários, dentre esses, os RNA regulatórios, que regulam a expressão de genes do DNA. A Figura 1 ilustra as diferentes moléculas.
O processo de transcrição é efetuado por um complexo proteico chamado RNA polimerase, que se encaixa na fita de DNA, reconhece a sequência de nucleotídeos e sintetiza uma fita de RNA complementar. Existem 3 tipos conhecidos de RNA polimerase nas células humanas, a RNA polimerase do tipo II é a responsável por produzir os RNAs mensageiros (mRNA’s).
Para que o processo se inicie são necessárias proteínas que se ligam na região regulatória do gene que será transcrito, chamadas fatores de transcrição. Os fatores de transcrição gerais se ligam à sequência de DNA que está imediatamente antes do gene. Enquanto que os fatores de transcrição específicos se ligam a sequências mais distantes na região regulatória do gene. A Figura 2 esquematiza esses elementos.

Figura 1. Ilustra a molécula de DNA em seu menor nível de compactação e as três principais moléculas de RNA.
Na etapa de elongamento, a RNA polimerase encontra-se aderida às fitas de DNA separadas e a partir do reconhecimento dos nucleotídeos na fita de DNA molde (3’- 5’), extende o mRNA catalisando a ligações fosfodiesters entre os nucleotídeos de RNA complementares a fita de DNA. Ao final do processo de transcrição, a RNA polimerase se depara com uma sequência de nucleotídeos que indica o final do gene, consequentemente a enzima se desprende do DNA e libera a nova molécula de RNA produzida. Nos casos onde é produzida uma molécula de RNA mensageiro, essa nova molécula após o processamento é transportada para o citoplasma celular (fora do núcleo da célula), onde será lida por um ribossomo, para produção uma proteína através do mecanismo de tradução.

Figura 2. Representação da região regulatória de um gene hipotético. Na sequência amplificadora da região regulatória se ligam os fatores de transcrição específicos, a sequência espaçadora separa as regiões amplificadora e promotora, a sequência promotora é o local de ligação dos fatores de transcrição gerais, o gene é a sequência que será transcrita pela RNA polimerase e a região de parada indica o fim da transcrição. Além disso, são apresentadas as figuras que representam a RNA polimerase e os fatores de transcrição.
Como é feito o controle da transcrição?
Rafael Machado e Michelle Susin
Embora quase todas as células do corpo humano possuem os mesmos cromossomos, consequentemente todos os genes, as células produzem apenas um conjunto de proteínas e em momentos específicos, sendo essa a razão para embora apresentarem o mesmo genoma, os neurônios serem muito diferentes de células musculares, por exemplo. Isso ocorre pois existem mecanismos que controlam quais genes, quando serão lidos e em quais células, esse mecanismo se inicia com a regulação transcricional, ou seja, o controle de quando a transcrição pode ou não ocorrer.
1. Remodelamento da cromatina
A primeira forma de regulação transcricional é controlar o acesso das proteínas regulatórias à sequência de DNA onde está localizado o gene, isso é feito a partir do processo de remodelação da cromatina (DNA associado a proteínas histonas), já que o genoma se apresenta compactado, e consequentemente o gene encontra-se inacessível às proteínas responsáveis pela transcrição (Figura 3). Dessa forma, quando há a necessidade de ler uma sequência específica de DNA é preciso que a cromatina seja aberta naquela região, possibilitando então o acesso da maquinaria de transcrição e consequentemente a leitura desse gene.
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FIGURA 3. Remodelamento da cromatina como forma de regulação transcricional. Na figura A, a cromatina apresenta-se fechada sendo assim não permitindo o acesso das proteínas necessárias para a transcrição e dessa forma impedindo a expressão do gene em questão. Já na figura B, a cromatina está aberta e permitindo o acesso às proteínas e assim permitindo que ocorra a transcrição.
2. Fatores de Transcrição
Após a abertura da cromatina, os fatores de transcrição têm acesso aos seus sítios de ligação na região regulatória do gene. Esses fatores de transcrição são proteínas com a capacidade de estimular a transcrição, permitindo que um gene seja expresso, ou seja, que a síntese de mRNA seja iniciada ou aumentada. Eles podem ser fatores gerais, proteínas que auxiliam diretamente a RNA polimerase e são necessárias para transcrição de todos os genes, ou específicos, fatores diferentes para cada gene.
Na fita de DNA, antes do segmento que será transcrito, há uma região regulatória onde além de se ligar às proteínas que catalisam a síntese do RNA, como a RNA polimerase, se ligam também os fatores de transcrição, sendo que os gerais se ligam em um sitio de ligação próximo ao gene enquanto os específicos se ligam em uma região mais distal (Figura 4).
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Figura 4. Possível mecanismo da influência de uma maior dose do gene KDM6A na síndrome de Klinefelter. O gene KDM6A, presente no cromossomo X, escapa inativação e dessa forma pode se apresentar mais expresso em portadores da síndrome de Klinefelter devido a presença de um cromossomo X extranumerário. O KDM6A por codificar uma histona desmetilase, se presente em maior dose geraria uma maior desmetilação de locais alvo no genoma e consequentemente uma maior expressão de genes alvo, que então poderiam ser os responsáveis pela alteração da quantidade de gordura visceral e do lúmen arterial que são observados em uma maior expressão de KDM6A.
Os fatores gerais de transcrição permitem o recrutamento e o exato posicionamento RNA polimerase no local de início da transcrição, assim como a a separação da dupla fita de DNA para que essa enzima faça a leitura da sequência de bases de uma das fitas do DNA (fita molde) e produza o mRNA complementar. Os fatores de transcrição específicos, se ligam a apenas alguns genes, ou seja, um fator de transcrição irá estimular um grupo específico de genes, o que é muito útil para a célula, que desta forma consegue produzir proteínas que trabalham juntas para realizar a função necessária para aquele momento (figura 5). Esses fatores, muitas vezes, não estão sempre presentes e/ou ativos na célula e apenas se apresentam ativados em momentos necessários para que a célula exerça uma ação específica. Por exemplo, existem fatores de transcrição responsáveis por estimularem genes capazes de realizar mitose, que apenas estão presentes e ativos no momento que a célula precisa se dividir.
Vários fatores de transcrição necessitam de ativação antes de serem capazes de induzir a transcrição, isso porque, por exemplo, alguns funcionam como receptores e apenas são funcionais quando juntos de outra molécula. Esse é o caso do receptor de testosterona, o hormônio ao chegar na célula se liga ao receptor andrógeno e quando ligados atuam como um fator de transcrição sendo esse o mecanismo pela qual a testosterona conseguem gerar modificações na célula.
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Figura 5. Fatores de transcrição tem a capacidade de estimular apenas genes específicos para ele. Figura A mostra os genes na ausência do fator de transcrição, onde os genes 1 e 3 estão inativos e o gene 2 é expresso, porém em intensidade baixa. Figura B mostra os mesmos genes agora na presença do fator de transcrição, que induziu o início da transcrição no gene 1, aumentou a expressão do gene 2, porém não interferiu no gene 3, isso pois os fatores de transcrição são específicos para certos genes, sendo que os genes apresentam apenas alguns fatores de transcrição específicos que são capazes de induzir transcrição.